Victor Hugo foi o maior poeta romântico da França e um dos seus maiores prosadores. Produziu várias obras-primas, entre elas o romance medieval “O Corcunda de Notre Dame” (1831). A história é centrada na tragédia do corcunda Quasímodo e da cigana Esmeralda. É no interior da grande catedral gótica e nos labirintos das construções de Paris que se desenrola a terrível história de paixões impossíveis de seus personagens. Victor Hugo reuniu magistralmente em seu famoso romance religiosos e vagabundos, ciganos e nobres, padres e leigos — heróis e vilões. Mas foi Quasímodo que rouba a cena do drama com suas atitudes inocentes e infantis sendo perseguido pela multidão que sente por ele repulsa. Séculos depois podemos afirmar que o corcunda de Notre Dame entraria na definição de neurodiversidade. O termo cunhado pela socióloga australiana e portadora da síndrome de Asperger, Judy Singer, em 1988, alerta que uma “conexão neurológica” atípica (ou neurodivergente) não é uma doença a ser tratada ou curada. Trata-se, acima de tudo, de uma diferença humana que deve ser respeitada como qualquer outra diferença (sexual, racial, etc.). O conceito por trás do termo Neurodiversidade consiste em reconhecer e respeitar as diferenças neurológicas que fazem parte da vida de muitas pessoas, dentre elas: dispraxia, dislexia, transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), autismo, síndrome de Tourette, entre outras. Mas além de reconhecer e respeitar pessoas com essas condições neurológicas é preciso incluí-as no mercado de trabalho. Neste sentido, assim como construir equipes mais diversas – seja de ideais, raça, gênero ou sexualidade diferentes entre si – é a alma da criatividade, produtividade e alta performance dentro das empresas, com a neurodiversidade funciona da mesma maneira. Funcionários neurodiversos podem demonstrar maior comprometimento e confiabilidade, e trazer novas perspectivas à sua equipe e em suas tarefas. Uma pesquisa feita em 2016 pelo National Institute of Economic and Social Research (NIESR) alerta que quando uma empresa adota políticas e práticas que ajudam as pessoas com essas condições a trabalhar e crescer dentro do ambiente de trabalho, consegue alcançar melhores resultados, a alta performance da equipe e ainda contribui para bons índices de saúde organizacional. Uma matéria da revista HBR aponta que muitas pessoas com essas condições têm habilidades superiores à média. Alguns deles, como autismo e dislexia, podem conferir habilidades especiais em reconhecimento de padrões, memória ou matemática. No entanto, as pessoas afetadas muitas vezes lutam para se ajustar ao perfil buscado pelos empregadores. Pessoas neurodiversas frequentemente precisam de adaptações no local de trabalho — como fones de ouvido para evitar superestimulação auditiva — para ativar ou alavancar ao máximo suas habilidades. Às vezes, elas são excêntricas. Em muitos casos, as adaptações e as dificuldades são manejáveis, com perspectiva de ótimos retornos. Mas, para obter esses benefícios, a maioria das empresas precisaria ajustar suas políticas de seleção, recrutamento e desenvolvimento de carreira para chegar a uma definição mais ampla de talento. John Elder Robison — pesquisador e vice-presidente do Neurodiversity Working Group no College of William & Mary, e portador da síndrome de Asperger —, afirma: “Muitos que abraçam o conceito da neurodiversidade acreditam que pessoas diferentes não precisam de cura, precisam de ajuda e acolhimento”. Criar uma equipe neurodiversa é procurar por pessoas que enxergam o mundo de maneira diferente. O equilíbrio entre pessoas com essa condição neurológica e as demais pessoas pode trazer mais criatividade, produtividade e melhores resultados para sua organização. No entanto, fica nas mãos da liderança encarar esse desafio de tornar o local de trabalho um ambiente acolhedor e que se proponha a desenvolver a todos. Hoje, não há mais espaço para o arquediácono Frollo, como no romance. Esperam-se ações mais inclusivas em que o respeito à humanidade esteja acima dos conceitos pré estabelecidos e julgadores da sociedade.
(adpt. https://www.hsm.com.br/neurodiversidade-a-importancia-de-cultivar-a-diferenca-nas-empresas/ - acesso em 31/03/19)
Comments